Ernest Hemingway definiu toda a encenação das
touradas, que tanto adorava, como um quase primitivo encontro entre o homem e a
besta, a fúria e o autocontrole. Verdade! E, direitos dos animais à parte, é difícil
pensar em Espanha sem se lembrar deste tipo de espetáculo.
Em Madri, a temporada de touradas vai de março
a outubro, sendo que as principais são realizadas durante a Feria de San
Isidro, em maio. Já tive a oportunidade de assistir a uma tourada, e contei tudo
neste post. Nessa última viagem, em Fevereiro, fui com minha mãe fazer o tour
na Plaza de Toros de Las Ventas e conhecer o Museu Taurino da Comunidade de
Madrid. Este é cheio de parafernálias relativas às touradas, com destaque para as
gravuras de Goya e o traje de luces do célebre Manolete, morto durante uma
tourada em 1947.
A Plaza de Toros de Las Ventas tem um estilo neo mudéjar típico da península ibérica, com seus tijolos vermelhos à vista. Linda, linda, ela conta com uma arena de 61 metros de diâmetro.
Um pouco de história:
A partir de 1913, a paixão pelos touros
aumentou consideravelmente e a praça, construída em 1874, começou a ficar
pequena para receber os espetáculos. Nesse momento, um mítico matador conhecido
como “Joselito” propôs a construção de uma praça nova e maior, com ingressos
mais baratos para que todo mundo tivesse a possibilidade de conferir as
touradas. As obras começaram em 1922, e em 1931 foi inaugurada com o nome do
terreno em que se encontrava, “Las Ventas del Espíritu Santo”. Seu primeiro
arquiteto foi José Espeliú, que faleceu em 1922, passando o projeto para Manuel
Muñoz Monasteria, um dos arquitetos que desenhou o Estádio Santiago Bernabéu.
Em 17 de junho de 1931, a primeira celebração
foi realizada na praça de touros com a realização de uma tourada de caridade. O
cartaz histórico foi formado por: Fortuna, Marcial Lalanda, Nicanor Villalta, Fausto
Barajas, Luis Fuentes Bejarano, Vicente Barrera, Armillita Chico e Manuel
Mejias Bienvenida. Embora a sua inauguração oficial tenha ocorrido em 21 de
outubro de 34, a partir de 1931 ela começou a ser usada regularmente.
As touradas, que significa literalmente
"luta contra o touro", polêmicas ou não, é, sem dúvidas, um dos
componentes mais populares da cultura espanhola. O touro, que é um animal nativo
da Península Ibérica, protagoniza não só as touradas, mas também outras festas
populares espanholas, como as corridas e os cortes de touros.
Puerta Grande de Las Ventas |
Sobre os touros:
Os touros de lide são espécimes machos do
animal que são criados especificamente para a participação em diferentes
espetáculos taurinos. É uma raça autóctone da Península Ibérica que evoluiu até
aos dias de hoje, desenvolvendo algumas características específicas, como: instinto
de defesa, temperamento, tez e chifres.
O ancestral primitivo deste touro, o urus,
foi, ao longo da historia, objeto de adoração de muitas civilizações. Na igreja
grega de Creta e em textos bíblicos antigos, por exemplo, pode-se encontrar
diferentes tipos de adoração ao touro e sacrifícios divinos. Na Espanha, os
touros também desempenharam um papel proeminente nas cerimônias religiosas das
tribos pré-históricas. Na verdade, as origens das praças de touros eram
provavelmente templos celtiberos onde os sacrifícios eram realizados. Perto de
Numancia, na província de Soria, um deles ainda sobrevive.
Mais tarde, a influência de gregos e romanos
transformou esses cultos em espetáculos. Durante a Idade Média, uma das
atividades favoritas da aristocracia era a tourada a cavalo. No século XVIII,
essa tradição foi sendo abandonada e a população mais jovem inventou a tourada
a pé. Francisco Romero foi uma figura chave na definição das regras desse novo “show”.
As touradas:
As touradas, que acontecem nas praças, começam
com um paseo, no qual todos os
agentes envolvidos saem para o picadeiro e, após solicitar a autorização para
abrir a porteira, o primeiro touro entra em cena.
O ritual é o seguinte: cada tourada tem três
toureiros que se encarregam de dois touros/cada. Três terços são celebrados com
cada touro, separados uns dos outros pelo chamado de clarins. Durante o
primeiro terço, o toureiro usa uma capa grande com um lado rosa e outro
amarelo. Em seguida, os picadores montados no cavalo atacam o touro.
No segundo terço, três banderilleros pregam um par de bandeiras no touro. Na conclusão
desta parte, chega-se ao terço final. Na chamada "sorte suprema", o
toureiro usa a muleta, que é um pequeno pano vermelho pendurado em um mastro.
Na última parte da tourada, o toureiro deve mostrar domínio sobre o touro,
estabelecendo uma simbiose entre eles, antes de matá-lo.
Outro dos festivais de tourada populares
é a corrida de touros. Consiste em correr na frente de um grupo de touros, ou
novilhos, que são conduzidos por cabrestos. Os corredores tentam ficar o mais
perto possível deles, mas sem realmente tocá-los. Uma das corridas de
touros mais conhecidas é a de San Fermín, que se realiza em Pamplona em meados
de julho.
Polêmica e legislação:
A maior consciência do sofrimento do touro e
o avanço progressivo da luta pelos direitos dos animais mudaram as tradicionais
touradas. Hoje, essas festividades são regulamentadas de forma diferente em
cada comunidade autônoma.
As touradas são proibidas por lei nas Ilhas
Canárias e na Catalunha, apesar desta ainda celebrar várias atividades
tauromáquicas. Na Galiza e em grande parte das Ilhas Baleares, as touradas são
legais, mas a sua prática é proibida em alguns locais. No resto do território espanhol,
as touradas são totalmente legais e em Madrid, Las Castillas, Murcia e Navarra,
ela é considerada um "Bem de Interesse Cultural" ou "Patrimônio Cultural
Imaterial".
Agora, o tour segue para a arena central, pelo
local onde é feito o desfile que precede a tourada, pelos tendidos altos (zonas
superiores de assentos) e pelo pátio. Vamos conhecendo todos os meandros da
praça.
Desde 2019, há uma sala iterativa na praça de touros.
É possível, através de imagens e sons, lutar com touros , visitar a Fazenda
Gavira de Cádiz, e até assistir a uma festa em Las Ventas.
Capela
Ao final do tour, vamos conhecer o Museu Taurino, localizado no Pátio de Caballos. Nele, que é a oitava atração turística mais
visitada de Madri, aprendemos mais sobre a relevância da tauromaquia na
história e na cultura espanhola.
O Museu Taurino, com 125 metros quadrados, é
dividido em três grandes salas, duas delas dedicadas à história da praça de
touros de Las Ventas com exposições sobre seus famosos touros e toureiros com
suas belas (e originais) vestimentas. Por último, há uma sala dedicada
exclusivamente à pintura tauromáquica e aos cartazes originais das obras que
anunciaram as touradas Goyescan, sob a assinatura de Barceló, Arroyo, Úrculo,
Pérez Villalta, Manuel Alcorlo e Alicia Ochoa.
Logo na entrada, vemos a coleção de retratos que remete-nos a diferentes períodos da história das touradas, desde Pedro Romero a
José Miguel Arroyo "Joselito", passando pelos rostos de Joaquín
Rodríguez "Costillares", José Delgado "Pepe Hillo",
Francisco Montes "Paquiro" , Frascuelo ou Lagartijo. O retrato de
José Gómez Ortega "Gallito", desenhado por Manuel Benedito, é um dos
mais afortunados que dele resta; e uma das melhores obras do museu é o retrato
que Daniel Vázquez Díaz fez de Juan Belmonte, em 1934. Do inesquecível Manuel
Rodríguez "Manolete", este espaço guarda memórias notáveis, como o
busto de bronze de Joaquín Roca Rey. Além disso, há a série completa da segunda edição das
gravuras "La Tauromaquia" de Goya, gravadas a água-forte.
Mais a frente, nas vitrines há uma
rica coleção de vestimentas de tourada, acessórios e capas, desde o século XIX
até à atualidade. A vestimenta mais antiga da coleção é o colete José Rodríguez
“Pepete”, justamente o que ele vestiu quando foi ferido pelo touro Jocinero de
Miura. Há, ainda, o colete escarlate e dourado que Joselito vestiu na trágica
tarde em Talavera de la Reina. O que mais impressiona o visitante é a roupa
rosa claro e dourado que Manolete usava no dia em que morreu.
não se pode fotografar em seu interior |
Outro destaque é a
vestimenta de Juanita Cruz que foi a primeira toureira do país, tendo dado inicio,
em 1974, a uma luta para que outras mulheres pudessem tourear pela Espanha. Há,
também, o terno lilás e dourado com o qual “Antoñete” saiu, aos 66 anos, pela Puerta Grande de Las Ventas.
Localização: Calle Alcalá, 237. Metrô: Ventas
(linhas 2 e 5). Ônibus: linhas 12, 21, 38, 53, 74, 106, 110, 146 e 210.
Preço: adultos = €14,90/estudantes e aposentados = €11,90/crianças entre
5 e 12 anos = €5,90.
Horário da bilheteira: diariamente, das 10-14h
e das 17-20h.
Visitas:
Inverno (outubro a maio): diariamente, das 10
às 18h. Verão (junho a setembro): diariamente, das 10 às 19h. Dias de corrida:
as visitas terminam 3 horas antes do seu início.
Museu Taurino:
Fora de temporada: diariamente, das 10-18h. Temporada
Taurina: diariamente, das 10-18h. Dias de corrida, das 10-16h.
Não percam...
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