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sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Lembranças de um triste e conflituoso passado: como é a visita ao Churchill Museum and Cabinet War Rooms, em Londres



Bom dia,

como falei no post anterior gosto de aproveitar minhas viagens para mergulhar na História. E, em poucos lugares do mundo nos sentimos tão dentro da História como no Churchill Museum and Cabinet War Rooms. Foi nesse complexo, sob as ruas de Londres, que durante a Segunda Guerra Mundial, os principais ministros do governo britânico, estrategistas militares e o primeiro-ministro Winston Churchill, em reuniões ultrassecretas, tramaram a vitória dos Aliados.





História

Após a devastação da Primeira Guerra Mundial, os britânicos sempre temeram os estragos de uma nova guerra. Na verdade, os estrategistas militares acreditavam que pudessem ocorrer até 200.000 baixas em apenas uma semana, no caso de bombardeios em uma guerra futura. Assim, já na década de 1920, começaram a traçar planos de evacuação de Londres do primeiro-ministro, seu Gabinete de Guerra e dos funcionários essenciais. Todavia, tais planos geraram controvérsias, pois muitos achavam que os londrinos pudessem se sentir abandonados se o primeiro-ministro e o governo estivessem em um lugar seguro. Somando-se a isso as questões relacionadas à velocidade da evacuação, os estrategistas decidiram buscar um lugar para se criar um abrigo de emergência no centro de Londres.

Em junho de 1938, quando a ameaça de uma nova guerra parecia real, o prédio dos Novos Escritórios Públicos (que, atualmente, abriga o Tesouro Britânico), na King Charles Street, foi selecionado para tal fim. Ele ficava perto do Parlamento e tinha uma forte estrutura de aço e um grande porão. Esse espaço foi, então, preparado com a instalação de comunicações e equipamentos de transmissão, paredes à prova de som, ventilação específica e reforço na estrutura para evitar-se que o local fosse destruído por ataques aéreos inimigos.


Um “avental” de concreto foi colocado em 1940
para evitar-se possíveis danos de uma explosão
nas Salas do Gabinete de Guerra.
Em 26 de setembro de 1940, uma bomba caiu perto de Clive Steps,
no extremo oeste da King Charles Street, próximo às
Salas do Gabinete de Guerra.
10 Downing Street hoje


Naquele porão apertado e sem janelas, a cerca de três metros abaixo do solo, adaptaram-se as Salas do Gabinete de Guerra, que se tornaram operacionais em 27 de agosto de 1939. Em 1º de setembro, a Polônia foi invadida pelos alemães. No dia 03, a Grã-Bretanha declarou guerra à Alemanha. Enquanto Neville Chamberlain foi o primeiro-ministro, o gabinete se reuniu ali apenas uma vez.

Em uma noite de maio de 1940, pouco depois de se tornar primeiro-ministro, Churchill visitou o local e declarou: "Esta é a sala da qual eu dirigirei a Guerra". Foi o que de fato ocorreu, o local funcionou 24 horas por dia, sete dias por semana, e nele foram realizadas mais de cem reuniões entre maio de 1940 e maio de 1945. Em 16 de agosto de 1945, após a guerra ter chegado ao fim com a rendição japonesa, as Salas de Guerra de Churchill foram abandonadas.











Após a guerra, seu valor histórico foi reconhecido, pelo que passou a ser responsabilidade do governo de Londres. Por volta de 1980, poucas pessoas conseguiam acessá-lo. Por ideia de Margaret Thatcher, em 1984, 45 anos após seus primeiros dias de operação, os Cabinets War Rooms se tornaram um museu. Em 2005, depois de uma grande reforma, abriu-se uma nova área no complexo, o Churchill Museum, como parte da homenagem feita em memória de Sir Winston Leonard Spencer-Churchill - ou do "British Bulldog", forma como os russos chamavam o líder britânico. Assim, o museu passou a se chamar Churchill Museum and Cabinet War Rooms.


A visita:



Ao chegar, descemos as escadas e encontramos a recepção onde se compram os ingressos. A seguir, com o audioguia em mãos (tem em português), percorremos os Cabinet War Rooms. Vamos vendo os vários cômodos do complexo: as salas de reunião; as salas para operações específicas; os departamentos administrativos; a cozinha; os quartos privados para oficiais, ministros e estrategistas militares; entre outros “Lugares Secretos”. Do audioguia sai uma voz que vai nos relatando fatos históricos, as funções de cada pessoa e o dia-a-dia daqueles que passaram anos trabalhando no seu interior. Ademais, podemos ouvir as conversas secretas que mudaram o curso da História.

A primeira sala que visitamos é também uma das principais: A Sala de Reunião do Gabinete de Guerra, onde Churchill e seus principais ministros se reuniam com os Chefes de Estado Maior para tomarem grandes decisões.

Nela, as mesas foram colocadas de maneira que os Chefes do Exército, da Marinha e da Força Aérea se sentassem frente a frente, o que criava certa tensão. No centro, diante do mapa-múndi, Churchill sentava-se em uma grande cadeira de madeira redonda. Ao lado, havia um balde onde ele depositava as pontas de seus onipresentes charutos.




A sala, cujas paredes eram de tijolo amarelo com o teto entrecruzado por vigas vermelhas (para reforço e ventilação), se mantem organizada como estava durante a reunião do Gabinete de Guerra realizada às 17 horas de 15 de outubro de 1940. Todos os relógios marcam esse horário.


Acima da porta à esquerda há duas pequenas lâmpadas elétricas pintadas de vermelho e verde. Elas serviam para informar se um ataque aéreo estava, ou não, em andamento.

Continuando o tour, logo surgem cartazes, alarmes e placas nas paredes. Depois, vêm os depoimentos de pessoas que trabalhavam no local. As telefonistas, por exemplo, eram garotas jovens que não podiam revelar para ninguém que trabalhavam no lugar onde eram tomadas as decisões cruciais da Inglaterra durante a Segunda Guerra. Elas nos contam, nos diversos depoimentos que saem do audioguia, como era conviver com esse segredo – e com a fumaça dos cigarros, pois todo mundo ali fumava, e o ambiente não era bem ventilado.


Por todo o caminho, passamos por cartazes com frases e explicações sobre aquele período e para qual propósito servia cada uma das salas.




As telefonistas e digitadoras da Sala 60 eram todas mulheres civis. Durante as Blitz, muitos delas tiveram que permanecer no subsolo dia e noite, dormindo entre os turnos no subsolo abaixo das Salas de Guerra, conhecido como “cais”.


Havia poucos banheiros reais dentro do bunker. Isso porque era necessário o mínimo possível de ameaças e riscos de acidentes.






Essa placa noticiava aos que trabalhavam no subsolo como estava o tempo lá fora. Durante os ataques aéreos, como uma espécie de piada, o indicador era alterado para “windy''.






Sala da Chamada Transatlântica. Uma sala, disfarçada de banheiro particular, era o local de onde Churchill mantinha contado por radiotelefonia com o então presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt. Nela, havia um sistema de codificação de dados que captava as palavras de Churchill, as embaralhavam, e tais mensagens criptografadas eram enviadas para uma unidade maior que ficava escondida embaixo da Selfridges, na Oxford Circus. Nos Estados Unidos, um sistema idêntico, desenvolvido pela Bell Telephone Laboratories, em 1943, decodificava as mensagens.




Escritório-quarto de Brendan Bracken, Ministro da Informação de Churchill.


As salas são expostas ao público através de um vidro transparente em frente aos itens muito bem preservados da época.



Quarto no qual Clementine nunca dormiu, mas que chegou a ser ocupado pela filha do casal.



É incrível caminhar por essas salas, onde se que reuniam as altas esferas militares e políticas britânicas, e imaginar a camaradagem entre eles e o medo dos ataques.




Sala de transmissão da BBC.

As salas das datilógrafas, onde continuam conservadas as máquinas de escrever Remington Noiseless. Com uma inteligência incrível e hábitos peculiares, não era fácil de lidar com Churchill. Por exemplo: ele odiava qualquer coisa que tirasse sua concentração, isso incluía assobios e cliques de uma máquina de escrever comum. Por isso, as datilógrafas usavam essas máquinas de escrever especiais, importadas dos EUA, para não incomodá-lo.



Diz-se que o horário de trabalho de Churchill durante a guerra era de 06 da manhã às 03 da manhã do dia seguinte!



Em dezembro de 1940, foi instalada, acima das salas do complexo, uma laje de concreto armado de até três metros de espessura. Apesar disso, o lugar não era tão seguro assim. Uma bomba com mais de 227 kg poderia ter penetrado o prédio. Portanto, para protegê-lo, as autoridades investiram pesado no sigilo e havia um sem-número de regras e níveis de códigos de segurança, sobretudo na Sala de Mapas e de Comunicações.


O centro de informações militares do complexo ficava baseado na Sala do Mapa, que funcionava 24 horas por dia, todos os dias da semana.

Essa sala permanece intacta, da maneira como estava quando o Japão se rendeu, em 1945. Ao fundo, no mapa, é possível se ver os furos deixados pelos alfinetes coloridos que apontavam os navios em dadas posições, por aonde eles iam passando. Cada alfinete que saía significava um navio afundado e uma baixa de 300 homens.



Muitas informações chegavam por esses telefones de diferentes cores. Cada cor significava um tipo diverso de informação e informante. Os telefones brancos eram conectados com as Salas de Guerra das três forças armadas, os verdes eram conectados aos Serviços de Inteligência, os pretos faziam/recebiam ligações externas.


O coração das operações dos Aliados.

Esse grande mapa, agora em exibição no Anexo da Sala do Mapa, passou grande parte da guerra pendurado na Sala do Mapa. Nele estão traçados em grandes detalhes o avanço devastador das forças alemãs na Rússia em 1941-1942 e sua retirada gradual nos anos seguintes.




Todas as operações eram meticulosamente monitoradas com lãs coloridas que marcavam o avanço alemão e os contra-ataques soviéticos. Também aqui se observava o destino de cada comboio, uma série de alfinetes coloridos apontavam cada o progresso, ou não, de frotas que traziam homens e materiais do Canadá e dos Estados Unidos.



Efeitos sonoros adicionam um toque de realismo estridente às salas, com sirenes de ataques aéreos e o estrondo de bombas explodindo ao fundo. O clima aqui era tenso!!



O último quarto deste tour é uma das principais atrações do local: o quarto onde o primeiro-ministro Winston Churchill chegou a dormir três noites, além de várias sestas. Muitas vezes, ele tomava decisões e fazia reuniões ali, deitado e de pijama.

Como se pode ver, ele não era luxuoso, mas era um pouco maior do que os demais quartos do complexo. Ademais, era o único com direito a carpete. Anotações e mapas nas paredes mostram que Churchill não parava de pensar em estratégias de guerra por um minuto sequer!

Essa escrivaninha é original, e continua no mesmo local. Já, o charuto que está à vista é verdadeiro. A cadeira tem seu braço direito marcado pelos arranhões que Winston fazia durante os momentos de tensão.



Churchill fez quatro discursos nesse quarto, como o de 04 de junho de 1940.


Ele tinha o hábito de diferenciar ligeiramente suas transmissões do texto preparado. Se alguém mais tentasse fazer isso, o engenheiro responsável tinha instruções para acionar a “chave de segurança” e ocultar a alteração.


Churchill Museum

Com uma área de 850 m², o Churchill Museum é um premiado museu interativo dedicado aos 90 anos de vida e ao legado de Sir Winston Churchill (1874-1965). Sua visita é feita logo no inicio do tour pelas War Rooms. Para o post ficar mais didático, vou falar dele agora.


A exposição é bastante interessante com objetos pessoais, artefatos originais da época, retratos, vídeos, documentos, vestuário, presentes e áudios dos discursos estimulantes de Churchill durante a guerra. Há informações sobre sua esposa Clementine, as centenas de cartas devotadas que Churchill trocou com ela, uma área dedicada aos seus passatempos como pintura e literatura. Há, ainda, referências a sua infância solitária, a sua carreira militar e até mesmo a um surpreendente Prêmio Nobel de Literatura ganho por ele, sem contar a cidadania americana recebida em caráter honorário.





Podemos ver uma nova exposição que explora a relação complexa de Churchill com o Oriente Médio, explorar os legados de seus dois períodos como primeiro-ministro (1940-1945 e 1951-1955), até chegar à sua morte. O célebre estadista recebeu honras reservadas somente à realeza, com um funeral oferecido na Catedral de St. Paul, uma das mais importantes do Reino Unido.

A exposição não segue espacialmente uma ordem cronológica, mas ela é dividida, confusamente, em cinco capítulos:

  • Capítulo 1: 1940-1945 – Líder da Guerra
  • Capítulo 2: 1945-1965 – O Estadista na Guerra Fria
  • Capítulo 3: 1874-1900 – O Jovem Churchill
  • Capítulo 4: 1900-1929 – Política Maverick
  • Capítulo 5: 1929-1939 – Os Piores Anos


No centro da exposição fica a “Churchill's Lifeline”, uma mesa interativa de 15 metros de comprimento que narra os principais eventos mundiais e as atividades de Churchill ao longo dos anos. Ela reúne milhares de documentos, imagens, animações e filmes relacionados ao seu famoso reinado político.

Um item intrigante da exposição é essa porta de madeira (original) do número 10 da Downing Street, residência oficial dos primeiros-ministros britânicos. Ela estava pendurada direitinha nas dobradiças quando Churchill ocupou aquele endereço. Todavia, foi removida e substituída por uma porta de aço à prova de bombas no auge da campanha terrorista do IRA (Exército Republicano Irlandês). Ela foi achada, por acaso, entre pilhas de lixo.



Curiosidades sobre o Churchill Museum and Cabinet War Rooms:

1. A equipe do filme “O Destino de Uma Nação” (Darkest Hour) não filmou nesse local as cenas que se passaram no bunker. Na verdade, eles criaram um cenário. Outro detalhe é que um erro histórico foi deliberadamente cometido por Joe Wright em nome do suspense cinematográfico. Uma das reuniões com o chefe do Estado-Maior do Exército foi realizada ainda em Downing Street e não no Gabinete de Guerra subterrâneo.



2. Em Junho de 2019, Donald Trump e família visitaram oficialmente esse local.


Endereço: Clive Steps, King Charles St.


Como chegar: pegue o metrô e desça na estação Westminster (Jubilee Line, District Line ou Circle Line) ou na St James’s Park (District Line ou Circle Line). Ambas ficam a uma caminhada de menos de 10 minutos do museu.


Horário de funcionamento: diariamente, das 9:30 às 18 horas.

Os ingressos, sem desconto, custam £22. No verão, aconselha-se a compra previamente pela internet.

No próximo post, mais um lugar relacionado a vida de Churchill...

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